O Brasil é um país de empreendedores. Quase 34,5% da população adulta manifesta o desejo de ter o próprio negócio, e mais da metade (30,1%) sonha em empreender. Contudo, transformar esse desejo em um negócio estabelecido e duradouro é o grande desafio: apenas 13,2% dos empreendimentos sobrevivem por mais de 3,5 anos, segundo dados do Monitor Global de Empreendedorismo.
Nenhum fenômeno social ilustra melhor essa dicotomia entre aspiração e realidade do que o empreendedorismo na periferia das grandes cidades, onde se concentra o maior número desses negócios próprios. Longe de ser apenas uma estratégia de sobrevivência, o empreendedorismo popular é um motor econômico e social, repleto de desafios e de um potencial transformador ainda subestimado.
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O Sonho de Empreender: Uma Necessidade e um Desejo

Para a população de baixa renda, em especial nos bairros periféricos, a busca por uma fonte de renda autônoma muitas vezes se manifesta como a principal alternativa à precarização do trabalho formal e à falta de oportunidades.
Pesquisas recentes, como as realizadas pelo DataFavela, mostram que as periferias movimentam cifras bilionárias e abrigam milhões de pessoas com o sonho de abrir o próprio negócio na sua comunidade. Setores como a alimentação (bares, restaurantes, e confeitarias) despontam como líderes nesses territórios, impulsionando a economia popular.
Mas o que motiva essa força empreendedora? A resposta é complexa e transcende a mera necessidade financeira:
- Autonomia: A chance de ser o próprio chefe e ter controle sobre o tempo e a forma de trabalho.
- Busca de Sentido: Criar algo com propósito, que beneficie a comunidade e gere valor afetivo.
- Superação: Uma forma de driblar o preconceito e as barreiras do mercado de trabalho tradicional.
- Identidade: O empreendimento como uma ferramenta para valorizar a cultura e as subjetividades periféricas.
Os Desafios Reais do Empreendedorismo de Baixa Renda
Embora o desejo seja massivo, a taxa de sucesso mostra a realidade dura do dia a dia. A longevidade dos negócios na periferia é diretamente impactada por obstáculos estruturais que vão além das dificuldades comuns de qualquer empreendedor iniciante:
- Acesso a Recursos e Informação: A falta de crédito adequado, o alto custo de empréstimos e a escassez de informações gerenciais e técnicas são barreiras significativas. Muitos empreendedores operam na informalidade, o que limita seu acesso a políticas de apoio.
- Infraestrutura e Logística: Problemas de infraestrutura local, transporte e acesso a fornecedores eficientes encarecem a operação e dificultam a expansão.
- Desigualdade Territorial: Pesquisas mostram que empreendedores de impacto na periferia têm, em sua maioria, menor rendimento líquido e nível de escolaridade formal (com maior foco no ensino técnico) quando comparados aos de áreas não-periféricas, refletindo as desigualdades sociais e territoriais do país.
Muitos empreendedores na periferia sequer se identificam com o termo “empreendedorismo”, preferindo o rótulo de “trabalhadores autônomos” ou “trabalhadores por conta própria”. Essa distinção reflete, muitas vezes, o distanciamento do discurso neoliberal do “empreendedorismo de si mesmo” e a adesão a uma lógica de subsistência enraizada na cultura popular.
O Poder da Comunidade e a Busca por Sentido
Apesar dos desafios, a força do empreendedorismo periférico reside na sua intensa conexão com a comunidade. Empreender, nesses contextos, não é apenas um ato econômico, mas um ato social.
A proximidade com a vizinhança, o valor afetivo nas relações com clientes e a formação de redes de apoio locais são fatores que inspiram e sustentam esses negócios. É um modelo onde a geração de renda se entrelaça com a busca por dignidade e a construção de um futuro melhor para o entorno.
O empreendedorismo na periferia é, portanto, um campo de tensões, situado entre a necessidade de gerar renda em um mercado de trabalho precarizado e a busca profunda por uma vida com mais sentido e autonomia. É a representação viva da potência da economia de favela, um motor de inovação e resiliência que merece ser compreendido, apoiado e valorizado.
Quer se aprofundar neste tema fascinante?
Conheça o estudo que aborda a fundo as motivações e estratégias dos empreendedores de baixa renda em meio à crise:
- Acesse: Empreendedorismo na periferia: entre a precarização do trabalho e a busca de sentido para a vida
Conclusão
O empreendedorismo na periferia é mais do que uma estatística de “virada de mesa”; é o reflexo da resiliência e criatividade de milhões de brasileiros que, diante da precarização, transformam a necessidade em oportunidade. Essa economia popular é um pilar vital do país, carregado de significado social e enorme potencial de crescimento.
Apoiar e estruturar esses pequenos negócios é fundamental para reduzir as desigualdades e fortalecer um ciclo virtuoso que une o desenvolvimento econômico à busca por um sentido pleno de vida. A potência está ali, à espera de um olhar e de um suporte à altura do seu valor.

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